Qualquer olhar apressado sobre os filmes de Fred Astaire é o suficiente para confirmar tudo o que já foi dito acerca deles, desde a importância no imaginário americano de seu ciclo de filmes – de um otimismo contagiante – com Ginger Rogers na RKO, rodados em sua maioria durante o período da Depressão americana; até a óbvia, e freqüente, constatação de que ele era um dançarino fenomenal só comparável no cinema a Gene Kelly. Imerso dentro deste emaranhado de lugares-comuns é fácil deixar escapar uma análise mais detida sobre uma obra aparentemente tão leve que beira o leviano, além de desprovida de grandes arroubos visuais. Com o decorrer do tempo ela mesma acabou por ser relegada pela crítica a certo tipo de curiosidade histórica de pouca relevância frente às grandes comédias musicais da época, e se “A Roda da Fortuna” acaba por ser citada entre elas é muito menos por Astaire que por Vincente Minnelli.
Na verdade, o que faz do corpo da obra de Astaire algo sem grande paralelos na história do cinema americano é justamente a maneira como ele consegue transcender graciosamente toda esta estrutura que tende a padronizá-lo, fazendo isto justamente com o que se espera de comum nele: a dança. É como se ele próprio criasse filmes espetaculares dentro de filmes não raro ineptos. Por isto não há pudor - já o apontou Douchet - em dizer que se trata de sua obra; mesmo que seja também de outro, nunca deixará de ser irremediavelmente sua. Esta operação é realizada sem grandes fissuras, como um milagre que nasce do ordinário e mais banal, com a desenvoltura dos que podem começar a cantar e dançar em uma cena qualquer sem que isto choque de alguma forma o andamento da narrativa. É certo Astaire foi o maior dentro desta arte que pode ser definida como sendo da elegância. O ator por excelência do movimento contínuo e rigoroso, da ilusão absoluta de liberdade física. Mais ainda, Astaire faz de sua dança um tipo de filosofia corporal que se choca frontalmente contra o determinismo e acena para a possibilidade infinita que há no ser humano.
Assim se explicam os momentos de profunda beleza escondidos em filmes de diretores bastante limitados – Mark Sandrich na maioria de seus filmes com Ginger Rogers – ou claramente desconfortáveis com o gênero – George Stevens em “Ritmo Louco” (Swing Time, 1936) – chegando a suprir os próprios filmes. Assim se explica, ainda, o quanto um excelente artesão como Charles Walters – sem esquecer de Robert Alton que dirigiu os números musicais de vários de seus filmes – ou mesmo Vincente Minnelli, o maior expoente do gênero, ganham quando dispõem de Astaire em seus filmes. Tudo isto alcançado com sobriedade e uma entrega bem particular a cada um destes trabalhos - perfeccionista notório, muitas vezes repetia cenas até a exaustão, mesmo com os pés empapados em sangue -, sem precisar eclipsar o filme grosseiramente, afinal, para Astaire, o cinema sempre foi uma questão mais de classe do que de choque.
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