26.6.07

Traduções - Douchet...

Alain Resnais


Hiroshima, meu amor


Pode-se imaginar Vélasquez alcançando a duras penas seu "Las Meninas" e Picasso de pronto já bordando por cima suas espantosas variações? Certamente que não. Ora, é um pouco o que acaba de se produzir. Com Hiroshima, meu amor, Alain Resnais tira o cinema do século XVII para o mergulhar, sem transição, em pleno coração do século XX.

O cinema, em nossa época de formalismo rei, permanecia o último refúgio do classicismo. Não por vocação ou por privilégio especial. Mas é o apropriado para uma arte virgem, tendo atingido a maturidade de sua técnica, se desabrochar na plenitude de seu modo de expressão, esgotar todo campo possível de sua forma e, pelo feliz casamento entre a forma e o fundo, oferecer-se o luxo de - se fixar como objetivo - agradar imediatamente. A era de ouro clássica é este momento privilegiado onde uma arte cobre a extensão completa de suas virtualidades, onde cada um de seus fragmentos se cimenta naturalmente em um todo.

O modernismo começa a partir do instante em que os artistas se vêem constrangidos a exprimir novas maneiras de pensar, descobrir minas que a era de ouro clássica se contentava em guardar sem explorar. Isto é dizer, para continuar no terreno da pintura, que o impressionismo, depois o cubismo, depois o abstrato, se encontram já implicados na obra de Titien ou de Vélasquez, mas não o inverso. Assiste-se, então, a uma série de fragmentações mais e mais encadeadas, cada escola moderna se tornando clássica para a seguinte. Segundo esta tese, o drama do artista moderno consiste em tentar reencontrar a plenitude e a totalidade de sua arte partindo apenas de fragmentos. Seu objetivo não é mais então o de agradar, mas de alcançar isto, custe o que custar.

O filme começa com a imagem de dois seres abraçados e nós iremos assistir à sua dolorosa separação, à dissociação progressiva destes dois seres, uma francesa e um japonês. Ela, Emmanuelle Riva, porque não tem nome no filme, veio a Hiroshima como atriz contratada para trabalhar em um filme internacional sobre a paz. Ela encontrou este japonês e o que devia ser apenas passageiro torna-se amor violento. Nós somos convidados a assistir à tomada de consciência deste amor.

Ora, este aí desperta em Emmanuelle Riva a lembrança de um outro amor, também violento, que em Nevers ela experimentara, durante a guerra, por um alemão.

Pouco a pouco, ela evoca a história deste amor: a morte de seu amante logo antes da Liberação, sua própria humilhação em praça pública, seu claustro na casa de seus pais, aprisionada um inverno inteiro no porão ou em seu quarto. E suas lembranças lhe são arrancadas na ordem afetiva, as mais penosas só vindo por último. Com Hiroshima, meu amor, Alain Resnais coloca em termos de cinema as preocupações estéticas modernas das outras artes. Ele rompe com a moldura do relato narrativo e introduz a técnica romanesca cara à Faulkner: o passado dos personagens ressurge em lufadas na superfície do presente, e também assim, envenena este presente. Por outro lado, introduzindo o cinema dentro do cinema, Resnais se une aos trabalhos literários mais recentes de um Klossowsky ou de um Borges: ele nos oferece a reflexão num segundo grau, ele nos convida ao jogo do espelho. (Se nós quisermos confirmar a tese inicial pré-citada, poder-se-ia dizer que Cervantes, pela sua maneira de conceber o segundo tomo de Don Quixote já esboçava este jogo de espelho.) Da mesma forma, um musicista poderia se deliciar encontrando no ritmo e na montagem dos planos de Hiroshima, meu amor, a influência de Stravinsky. Enfim, pictoricamente este filme evoca o cubismo, Picasso e Braque.

Moderno, Hiroshima, meu amor o é ainda pelo seu tema. Tragédia da impossibilidade da união e da plenitude de si. Trata-se da vitória do despedaçamento, da dissociação, do fragmentário. É impossível ser totalmente um, pois nós vivemos no instante e cada instante nos condena ao nascimento, mas também à morte de uma parte de nós mesmos. Este é talvez o símbolo profundo da primeira imagem do filme. Não se vê nada além de dois corpos abraçados, indistintos um do outro e cobertos pouco a pouco por uma chuva de cinzas. Esta cinza, podemos imaginar como aquela mesmo da bomba atômica, quer dizer, como aquela dos vestígios da guerra que ainda recaem no presente e o contaminam. Mas eu prefiro ver aí o símbolo desta dialética do instante: no mesmo momento em que estes seres "se incendeiam um pelo outro" (como é dito em certo momento no texto), a cinza deste fogo, a cinza do esquecimento já os recobre.


A partir desta imagem-chave, o filme se organiza seguindo a figura geométrica de um cone cuja base será a distância que separa o japonês e a francesa e que se traduz de uma forma puramente espacial pela corrida de um em direção ao outro através de Hiroshima. Os fragmentos do passado de Emmanuelle Riva formaram um bloco cada vez mais compacto que separa irresistivelmente os dois amantes. Revivendo este passado, e o imiscuindo no presente, Emmanuelle Riva toma consciência de que ele não é mais que uma lembrança, que ele está morto nela, que ele está esquecido. Assim sendo, este amor atual entre ela e o japonês é também destinado ao esquecimento, à morte, ele é irremediavelmente condenado. "Eu sei que eu te esquecerei, eu sinto que eu já te esqueço" grita ela ao fim do filme para o japonês.

Estando seu filme baseado na dialética, Resnais se obrigaria em exprimi-la na forma, o duplo movimento de negação e afirmação. Ora, seu sucesso é total. Ele o atinge tão bem em seus movimentos de aparelho quanto em sua montagem. Assim este marcante travelling de recuo, que percorre Hiroshima durante o comentário de Emmanuelle Riva, nos faz compreender que ele corresponde ao tempo mesmo do ato de amor. Pela velocidade deste travelling, nós revivemos a sensação de embriaguez e de comunhão que toma nossa heroína e, ao mesmo tempo, a imagem da distância percorrida desperta em nosso espírito a idéia de fuga que a arrebata então.

A montagem de Resnais, mesmo podendo evocar as teorias musicais de Stravinsky, prolonga sobretudo as teorias de Eisenstein sobre montagem atrativa. Nada aqui de muito impressionante, já que Resnais como Eisenstein baseiam suas estéticas na dialética marxista. Porém, Resnais insiste mais sobre seu duplo movimento simultâneo e contrário. Por exemplo, assim que Emmanuelle Riva vê a mão do japonês menear-se enquanto ele dorme, esta imagem faz surgir com força a imagem da agonia do alemão, mas mesmo sendo uma imagem que nasce com incômodo, é de pronto rejeitada.

Ainda dialética esta proposta poética de Resnais acerca da doçura terrível, que se encontra incluída no próprio título. Hiroshima, meu amor, dois termos que formam algo como uma mistura destoante. Como em Picasso (não esqueçamos seu curta-metragem sobre Guernica), Resnais adora mostrar simultaneamente a face do terrível com seu perfil de doçura. Portanto, estas imagens horríveis de feridos radiativos acompanhadas por um comentário lírico e bucólico sobre a primavera e o renascimento das flores em Hiroshima.

Hiroshima, meu amor é um filme dez anos à frente. Ele desencoraja toda crítica. Qual será sua influência sobre o cinema? É o fim do classicismo cinematográfico? Ou, ao contrário, pela própria perfeição de seu aspecto inovador, ele condena antecipadamente toda veleidade em perseguir este caminho? Tantas questões que só o tempo poderá responder.


JEAN DOUCHET
(Arts nº 727, junho de 1959)

Texto contido nas páginas 278-282 do volume 78 da coleção Petite anthologie des Cahiers du cinéma: Jean Douchet "L'Art d'aimer". Tradução feita por José Roberto Rocha.






O ano passado em Marienbad


Veneza 61 (...) foi dominado muito claramente por O ano passado em Marienbad, e é justo que o filme de Resnais tenha obtido o grande prêmio. (...) Se por um lado eu reconheço a perfeição do trabalho de Resnais, por outro eu confesso ser, cada vez mais, violentamente contra o princípio que preside sua concepção. Eu não acredito na penetração da câmera no mundo mental. Aí está a fonte de todas as arbitrariedades. Nada é mais inquietante que ver desenrolar-se diante de si a representação da consciência vivida, interpretada e entregue segundo uma lógica objetiva. Há aí uma contradição interna entre a forma do filme que se apresenta como um jogo puramente espirituoso, e seu objetivo que é de explorar as regiões misteriosas do imaginário. Ora, eu acredito que é principalmente no cinema que se deve aplicar este programa que Baudelaire assinava na pintura: trazer a tona o que há dentro pelo que há fora. Estimo que um Mizoguchi ou um Lang tenham indo mais longe no imaginário que todos os Maffenbad do mundo, e suas obras permanecem abertas, ao passo que o filme de Resnais se fecha e limita-se a si mesmo.

No fundo, Marienbad não é nada mais que uma versão moderna, talentosa, inteligente, de uma extrema beleza, e tudo mais o que se queira, de Caligari. De forma similar, e porque nos é necessário penetrar no mundo mental, a deformação das aparências é exigida. Em Marienbad, esta deformação toma corpo, certamente, mais sobre o tempo que sobre o espaço, mas isto não impede que se trate de um cinema inteiramente fundado sobre a deformação, os procedimentos e as trucagens. O "Tout-Cinéma 1925" parece ter se encontrado voluntariamente neste hotel frio, lúgubre, sinistro, por onde circulam fantasmas: o expressionismo caligaresco margeia um surrealismo que ousa, ele, na falta dos personagens, dizer seu nome, e a montagem por atração à la Eisenstein, que faz de cada plano um bloco estático, corteja o cinema puro onde os movimentos de aparelho são desprovidos de qualquer função que não aquela da sensação que procuram. Só falta o cinema-olho, abandonado para Jean Rouch. Por que milagre, dito isto, os erros do passado se tornariam hoje virtude única? A via de Resnais é aquela dos "grandes à margem" do cinema: Eisenstein ou Welles. Assim que ela atinge tal nível, ela é em si admirável. Mas em si somente. O pior dos cineastas, se inspirado nos princípios cinematográficos de Lang, Hawks, Walsh, etc., fará um mau filme, mas visível. Ao contrário, um filme influenciado por Resnais tem toda a chance de ser invisível e insuportável. Quantos filhos de Hiroshima, idiotas e monstruosos, nós já não temos a lamentar? No entanto, estes serão anjos de beleza em comparação com os filhos de Marienbad.


JEAN DOUCHET
(Trecho da cobertura do festival de Veneza de 1961)

Texto contido nas páginas 198-200 do volume 78 da coleção Petite anthologie des Cahiers du cinéma: Jean Douchet "L'Art d'aimer". Tradução feita por José Roberto Rocha.

Link e citação - Costa...





Há muito tempo que eu adoro filmar em interiores. O vídeo permite certas coisas e não outras. É necessário perder tempo, falamos antes das cenas, falamos por dias e mais dias. Em um momento se filma, e isso faz parte da mesma coisa, não há mais choque, o movimento é o mesmo. É muito pensado, é uma maneira de criar uma memória, de fazer com que o texto esteja tão fortemente dentro destes quartos que ele possa ser dito todas as noites, todos os meses, todos os anos, cada dia talvez um pouco melhor. Nós melhoramos as coisas, os atores selecionam, eles eliminam o que é acessório, a cena torna-se mais forte.

Isto vem do filme sobre os Straub? Eu não sei, isto vem de lá, mas também de coisas anteriores. Aqui, eu estava mais entusiasmado plasticamente, eu ousei coisas que eu não podia fazer com "Vanda". Havia um quarto e isto era o suficiente. É inclusive um pouco miraculoso que o filme se segure desta forma. "Vanda" foi feito graças ao desejo de que fosse feito algo assim, de que era necessário filmar aquilo. Um desejo que não era unicamente meu, mas também de Vanda, de sua irmã, e dos outros. Para este filme, houve um outro tipo de fé, se é que se pode falar assim. A crença de que é possível contar ainda uma vez no cinema coisas como se fazia outrora. A idéia de um filme que vem de um certo realismo, mas igualmente da série B, o que é um pouco contraditório: Straub e Tourner, o cinema de horror e a Nouvelle Vague. Os novos apartamentos me parecem muito ligados a "Numéro zéro" de Eustache, por exemplo. "Juventude em Marcha" possui, sem dúvida, muito a ver com o fato de que eu amo este filme e com o que eu retive dos Straub: uma certa maneira, um certo desejo de fazer as coisas.


Trecho de entrevista contida na revista "Cahiers du Cinema" nº 619, lançada em Janeiro de 2007. Tradução feita por José Roberto Rocha.

21.6.07

Notas - Romero, "Pedra do reino", etc...

. Impressionante notar uma certa condescendência com diluições e deturpações da obra do George Romero - "Extermínio", "Extermínio 2" e, por mais que esboce algum tipo de saída menos imediata, "Madrugada dos Mortos" -, especialmente quando ela parte do nicho pretensamente mais aficcionado pela obra do diretor. Assistir a estes três filmes só ajuda a esclarecer o quanto as consequências estético-políticas-morais de "Dia dos Mortos", "The Crazies" e "Dawn of the Dead" - respectivamente os trabalhos a que mais devem -, pra não falar de toda a obra de Romero, são incrivelmente subestimadas e, por fim, reduzidas através de um processo de fetichização que devora a si mesmo e que se inicia e ecoa justamente entre os fãs mais ardorosos.

. Eu juro que tentei assistir a "A Pedra do Reino", mas não passei de meio episódio, portanto não sou a pessoa mais aconselhável a se questionar sobre a série. No entanto, fica a impressão da já usual esvaziação da cultura sertaneja - mais precisamente paraibana, neste caso - em prol de uma estilização que a faça perder o caráter materialista tão próprio dela, substituído aqui por um onirismo de boutique, que se diferencia um pouco do exotismo cômico usual mas é um processo tão limitado quanto. No mais, também lembrei de um comentário de um amigo meu que sequer gosta tanto assim de cinema: por que diabos a câmera parece estar amarrada a um touro mecânico?

. Como já deixei claro no reinício de trabalho deste blog, vou tentar manter algo próximo de uma linha editorial com a repetição sistemática de alguns tipos de posts - traduções, filmografias, textos escritos em conjunto - entre as mongolices habituais. O texto de Vinicius de Moraes postado abaixo corresponde ao primeiro de vários textos da crítica brasileira que pretendo transcrever aqui no blog. As escolhas de tais textos serão pautadas, às vezes, mais na curiosidade que acredito que certos críticos despertam na cinefilia brasileira, mesmo que às vezes seja mais por fatores externos a própria influência e relevância de seu trabalho - sendo este o caso do próprio Vinicius de Moraes. Quanto às traduções, como exigem um esforço incomparavelmente maior, só são dedicadas a textos pelos quais eu preze imensamente. Assim acho que supro a ausência do rodapé informativo que deveria ter acompanhado o texto de Vinicius.

19.6.07

Fotos - VOL. I...

. Rocco e seus Irmãos (My brother burns the boiga, 2006) .

18.6.07

Transcrição - Vinicius de Moraes...


ROSEBUD


Citizen Kane está acabando seus dias na cidade. Agora vão começar as mutilações nos cinemas de bairro, os desgastes do celulóide, e o filme logo entrará no seu processo de caquexia; daqui a seis ou sete meses, passando de trem lá pelo Engenho de Dentro, veremos com saudade o grande cartaz, com Welles agigantado, na sua camisa branca de punhos fechados, num muro de um pequeno cinema caiado de amarelo.

Destino engraçado, o dos filmes. Não ficam na estante, como os livros; nem na parede, como os quadros; nem nos discos, como a música. Ficam na lembrança, apenas, Será por isso, talvez, que nos deixam, alguns, tanta saudade. É que marcam melhor certas fases da vida, certos sentimentos, certas lutas; e se os revemos assim, no muro de um cineminha de subúrbio, eles nos são restituídos de um modo particularmente intenso. Deu-se tantas vezes isso comigo. Nunca me pude esquecer de um cartaz velho da Dama das camélias, visto, uma madrugada, numa cidadezinha de Minas. Eu estava no trem e não foi senão um momento. Mas deu para me emocionar o resto da viagem e me perturbar umas férias inteiras, lembrando coisas boas...

Quanta gente não vai pensar em rosebud daqui a dois ou três anos, vendo o filme de Welles num cinema qualquer, longínquo, do Brasil? Vai-se lembrar como o próprio Kane lembrava, com a mesma ternura, o que lhe trazia um instante melhor dessa vida que o poeta Manuel Bandeira viu mais comprida do que a restinga da Marambaia. Rosebud, a infância; rosebud, a pureza da neve; rosebud, uma sessão de cinema com a namorada, com a família, com os amigos, e as discussões posteriores sobre o que era, o que não era rosebud na vida de Kane, na vida de qualquer pessoa.

Quanta interpretação não saiu! Algumas tão ingênuas, algumas tão tolas, outras tão sutis, tão buriladas! Rosebud foi um dos maiores testes de inteligência e de sentimento do ano cinematográfico. Rosebud ficou sendo quase uma chave gnomônica; por outro lado deu margem a mais aventuras de compreensão que o "Soneto das vogais" de Rimbaud. Uns achavam que rosebud era o trenó, tout à fait, e esses poderiam ser classificados como realistas; outros achavam que rosebud era a lembrança da neve, a memória dos tempos de menino; e esses revelaram-se imediatamente "fatalistas". Para muitos rosebud não existia, era o mistério da personagem, a sua ligação com Deus - e esses eram positivamente os "metafísicos". Outros não sabiam o que queria dizer rosebud, e para esses o reino dos céus está garantido. E nessa mesma categoria, adiantavam-se novos, de mau caráter, que não gostavam do filme todo só porque não entendiam rosebud ou achavam que rosebud era besteira, negócio de poesia, coisa sem cabimento. A estes dedicou Otávio de Faria longas páginas através de seus romances. Eles se chamam "Pedro Borges".

Contou-me alguém que até uma briga séria este "botão de rosa" célebre teria provocado. Alguns amigos estariam discutindo o sentido da palavra no filme, ponderando coisas, estabelecendo ligações. Um, mais infeliz no modo de se exprimir, a uma barbaridade qualquer dita por outro, retrucou com uma certa aspereza:

- Ora bolas! Parece mentira, você, que se diz inteligente, não ter compreendido o que quer dizer rosebud. Mas é tão simples...

O outro se abespinhou:

- Então o que é, seu sabe-tudo?
- É a mãe.
- O quê?
- É isso mesmo, é a mãe, está surdo?
- Repete se você é homem!

O outro achou esquisito o tom violento do amigo, mas repetiu. Um bofetão cantou. O rapaz ficou pálido com a brutalidade da agressão, sem compreender mas tornou a repetir, já agora irado:

- Pois é a mãe mesmo! A do cidadão Kane, e agora a sua, está ouvindo?

E embolaram. E eis como uma interpretação, justa a seu modo, criou uma inimizade mesmo depois que se aclarou o incidente. Mas agora não vá o leitor se aproveitar da deixa para ofender a mãe de quem não goste, a troco de rosebud. Eu lavo as minhas mãos. Porque se qualquer das personagens desta crônica tiver alguma semelhança com pessoa viva ou morta, será por pura coincidência...


. Vinícius de Moraes .

Texto contido nas páginas 888-889 do volume único de "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa". Publicado originalmente em 12 de outubro de 1941, no jornal "A Manhã".

16.6.07

Anotações - Halloween...


I met him, fifteen years ago. I was told there was nothing left. No reason, no conscience, no understanding; even the most rudimentary sense of life or death, good or evil, right or wrong. I met this six-year-old child, with this blank, pale, emotionless face and, the blackest eyes... the devil's eyes. I spent eight years trying to reach him, and then another seven trying to keep him locked up because I realized what was living behind that boy's eyes was purely and simply... evil.

Durante todo o desenrolar de “Halloween” (1978) há uma irreversível fixação pela ausência do rosto de Michael Myers. Esta vontade de despersonalização passa, claro, pelo roteiro, mas só garante toda sua força simbólica a partir do momento em que John Carpenter faz dela a pedra angular de seu projeto estético. As intervenções de Dr. Sam Loomis (Donald Pleasance) são bastante relevantes neste sentido, mas funcionam antes de tudo como eco de toda uma aura construída com esmero – deslocamentos de câmera, enquadramentos parciais, uso do fora de quadro, exploração da profundidade de campo – ao redor de um corpo que parece ser o sintoma de um mal muito mais geral que particular. A própria máscara de Myers é desprovida de qualquer traço, ostentando um vazio sufocante em sua inexpressividade e na única ocasião em que ela é retirada tal sensação é apenas reforçada: antes de continuar com a matança, ele tem que parar e a recolocar prontamente.


A primeira cena do filme revela toda a engenhosidade de Carpenter em levar adiante este processo, além de expandir seus significados: “Halloween” se inicia com um longo plano-sequência realizado em câmera subjetiva que faz com que o espectador compartilhe a visão de uma criança que mata, a facadas, sua irmã. Assim, o rosto do assassino, o próprio Myers, é furtado; mais ainda, toma a forma daquele do espectador. Ao final da seqüência, há um corte e a câmera finalmente exibe a criança que segura uma faca ensangüentada enquanto é abordada pelos pais. O mais impressionante nesta cena é exatamente o olhar desta criança, tão vazio quanto o da máscara que ela utilizará anos mais tarde para continuar o que ali começara. Esse olhar se direciona, enfim, para o próprio espectador que acabou de, junto a ele, cometer um assassinato. A câmera começa então um movimento de recuo que funciona não só como uma despedida daquele rosto, que agora passou a ser indiscriminadamente o de todos; mas também para revelar uma casa tipicamente americana localizada em uma vizinhança idem – ao menos, na forma pura e desinfetada como ambas se encontram incrustadas no imaginário popular – que será justamente o cenário do restante do filme. É assim, com um movimento de câmera, que o mal representado por Myers transcende sua impessoalidade e passa a ser atrelado ao mal-estar de toda uma sociedade que tem como mola propulsora exatamente expurgá-lo, mesmo que apenas superficialmente. A simetria das casas, dos gramados, e mesmo das situações em uma cidade como Haddonfield, Illinois, parecem incompatíveis com qualquer perturbação, limpas e isentas de qualquer pecado. Myers, e Carpenter, vêm para ressignificar todo este itinerário visual. E ambos vão até as últimas conseqüências para fazê-lo.

5.6.07

Filmografia - John Carpenter...

. Anos 60 .


1962 - Revenge of the Colossal Beasts
1963 - Terror from Space
1969 - Gorgo Versus Godzilla
1969 - Gorgon, the Space Monster
1969 - Warrior and the demon
1969 - Sorceror from Outer Space


. Anos 70 .


1973 - Dark star (Dark star)
DISPONÍVEL EXCLUSIVAMENTE EM VHS
Distribuidora: Pole-Tel
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.85 : 1]
Duração: 83 minutos



1976 - Assalto a 13º DP (Assault on Precint 13)
Distribuidora: VTO Continental
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 91 minutos



1978 - Halloween, a noite do terror (John Carpenter's Halloween)
Distribuidora: VTO Continental
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 91 minutos


1978 - Alguém me vigia (Someone's watching me!) [TV]
DISPONÍVEL EXCLUSIVAMENTE EM VHS
Distribuidora: Warner Home Video
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [ORIGINAL]
Duração: 98 minutos


1979 - Elvis [TV]


. Anos 80 .



1980 - A bruma assassina (John Carpenter's The Fog)
Distribuidora: Universal Home Video
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 86 minutos



1981 - Fuga de Nova York (John Carpenter's Escape from New York)
Distribuidora: Universal Home Video
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 94 minutos



1982 - O enigma do outro mundo (John Carpenter's The Thing)
Distribuidora: Universal Home Video
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 108 minutos



1983 - Christine, o carro assassino (John Carpenter's Christine)
Distribuidora: Sony Pictures
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 109 minutos


1984 - Starman, o homem das estrelas (John Carpenter's Starman)
DISPONÍVEL EXCLUSIVAMENTE EM VHS
Distribuidora: L.K.-Tel/Columbia Home Video
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 2.20:1]
Duração: 115 minutos



1986 - Os aventureiros do bairro proibido (John Carpenter's Big Trouble in Little China)
Distribuidora: Universal Home Video
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 100 minutos



1987 - O príncipe das sombras (John Carpenter's Prince of Darkness)
Distribuidora: Universal Home Video
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 98 minutos


1988 - Eles vivem (John Carpenter's They Live)
DISPONÍVEL EXCLUSIVAMENTE EM VHS
Distribuidora: L.K.-Tel/20-20 Vision
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 2.35:1]
Duração: 93 minutos


. Anos 90 .


1992 - Memórias de um homem invisível (Memoirs of a invisible man)
DISPONÍVEL EXCLUSIVAMENTE EM VHS
Distribuidora: Warner Home Video
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 2.35:1]
Duração: 99 minutos



1993 - Cabelo (Hair) e O Posto de Gasolina (The Gas Station) segmentos de Trilogia do Terror (Body Bags) [TV]
Distribuidora: WorksDVD
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [ORIGINAL]
Duração: 95 minutos


1995 - À beira da loucura (John Carpenter's In the Mouth of Madness)
DISPONÍVEL EXCLUSIVAMENTE EM VHS
Distribuidora: PlayArte
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 2.35:1]
Duração: 95 minutos



1995 - A cidade dos amaldiçoados (John Carpenter's Village of the Damned)
Distribuidora: Universal Home Video
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 98 minutos



1996 - Fuga de Los Angeles (John Carpenter's Escape from L.A.)
Distribuidora: Paramount
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 100 minutos



1998 - Vampiros de John Carpenter (John Carpenter's Vampires)
Distribuidora: Sony Pictures
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 108 minutos


. Anos 00 .



2001 - Fantasmas de Marte (John Carpenter's Ghosts of Mars)
Distribuidora: Sony Pictures
Formato de tela: Widescreen 2.35:1 [ORIGINAL]
Duração: 98 minutos



2005 - Pesadelo Mortal (John Carpenter’s Cigarette Burns) [TV]
Distribuidora: Paris Filmes
Formato de tela: Widescreen 1.78:1 [ORIGINAL]
Duração: 59 minutos


2006 - Pro-Life [TV]


P.S.: Reitero aqui o objetivo destas filmografias em constituir uma espécie de banco de dados no qual os interessados possam se basear ao entrar em contato com a obra dos diretores em questão. Assim, estão listados os filmes disponíveis em DVD no mercado brasileiro e suas respectivas características, sempre buscando destacar a edição que acredito ser mais aconselhável para o espectador no caso de multiplicidade de versões, sempre levando em consideração a qualidade do som e da imagem, além da fidelidade ao formato e duração originais. Quando não houver disponibilidade do filme em DVD, como no caso de vários filmes de John Carpenter, serão apontados aqueles que possuam versões lançadas em VHS no Brasil, com o máximo de detalhes possíveis de se coletar. Aproveito para insistir na participação dos leitores que observem algum erro ou omissão, apontando-os na caixa de comentários e possibilitando maior acuidade às listagens. No caso de John Carpenter, peço ajuda para descobrir as distribuidoras das versões que chegaram exclusivamente em VHS no Brasil.