31.5.07

Tradução - Saada...



Apocalypse Now
(Eles Vivem de John Carpenter)
por Nicolas Saada


O filme se abre num clima de errância que caracteriza o cinema de Carpenter e sua filiação ao western e aos seus heróis solitários. O herói é John Nada (interpretado por Rodney Piper, ex-lutador) que chega, bolsa nas costas, a Los Angeles para encontrar um emprego. Nada, sem abrigo nem trabalho, é recebido por uma pequena comunidade de desempregados e vagabundos, localizada próxima a uma igreja, onde entrará em contato com resistentes que lutam impetuosamente contra invasores misteriosos que controlam a população. John Nada é, evidentemente, o próprio John Carpenter que, desde seu grande fracasso comercial, “Aventureiros do Bairro Proibido”, voltou à produção B após seu purgatório em diferentes majors hollywoodianas. É assim, com nada, que Carpenter recomeça. Se é possível arriscar esta analogia, é porque Carpenter seguiu um trajeto (produção B-televisão-majors-produção B) comparável ao de seu personagem em “Eles Vivem”.

Em 1982, Carpenter declarou a Cahiers du Cinéma (nº 339), a propósito de seus primeiros passos com as majors: “Uma parte do charme de Assalto a 13ª DP ou de Halloween devia-se ao fato de que não havia dinheiro suficiente para mostrar as coisas. Ao contrário, hoje me dão dinheiro para mostrá-las, então é necessário fazê-lo”.

Mostrar: o próprio tema de “Eles Vivem” (e a função de seu herói); certamente um tema cinematográfico, mas também, para Carpenter, uma preocupação moral que o aproxima de Fritz Lang. “Eles Vivem” ilustra, na verdade, o velho adágio languiano segundo o qual a aparência não é a realidade, o visível não é a verdade. Provocação de Carpenter ao espectador que não consegue mais fazer a triagem das imagens que lhe são enviadas cotidianamente. Nada é ao início bastante ingênuo, crédulo (como poderia ter sido Carpenter no início dos anos 80 antes de seu fracasso nas majors): “Eu acredito na América, eu estou dentro do sistema”, declara ao início do filme. Depois, graças aos óculos escuros fabricados pela resistência (a produção B), espécies de “decodificadores portáteis”, Nada terá a prova de que não se pode confiar no sistema: este que rege a América de hoje é nada mais que o fruto de um vasto complô fomentado por extraterrestres (auxiliados por humanos sem escrúpulos) que embrutecem a população lhes transmitindo mensagens subliminares primárias (“não pensem”, “não reflitam”, “submetam-se”, “consumam”, “reproduzam-se”, “o dinheiro é seu Deus”). Este horror da realidade é mostrado bastante curiosamente através de imagens em preto e branco, que revelam esta visão decodificada do mundo. Carpenter poderia ter recorrido a outros estratagemas visuais: na verdade, este preto e branco pertence a um cinema de ontem (Hawks, citado por Carpenter como um pai em sua cinefilia) que joga nova luz sobre a face absolutamente inumana da América deste fim de anos 80. A fonte de emissão destas mensagens é naturalmente a televisão e seus programas (outro câncer do cinema americano) que a resistência tenta sabotar, em vão, através de transmissões clandestinas: John Nada e seu colega negro Frank vão destruir, fuzis às mãos, a estação televisiva. Assim, “Eles Vivem” é também a história de uma mini-insurreição que se pode interpretar ao mesmo tempo como política e, em outra medida, como de cinefilia.

Esta gravidade da proposta de Carpenter nunca é, felizmente, explicitada verbalmente no filme. Em total adequação com seu tema, Carpenter prefere mostrar, através de longas seqüências quase mudas, a extensão do mal ao criar um sentimento de inquietude e agonia constante, arte na qual ele se tornou mestre (assim como na utilização da trilha, tão opressora quanto possível). O resultado de “Eles Vivem” é deslumbrante, notadamente em seu controle do scope, formato ingrato que Carpenter emprega para isolar os personagens alienando-os no quadro, acentuando este efeito ao fimá-los em espaços fechados, com perspectivas de profundidade limitada (ruelas, corredores, becos).

Quanto ao aspecto “guéguerre” que alguns censuram no filme (a luta a mão armada entre os resistentes e os invasores), ele não faz com que Carpenter caia nas armadilhas do filme de gênero (filme de ação). Todas estas batalhas são dominadas por uma distância plástica que as transforma em verdadeiros ballets, ritmados por uma montagem, em certos instantes, digna do melhor cinema soviético: um insert, magnífico, dos canos das metralhadoras marca a maioria destas seqüências. A cena pivô do filme, uma briga de mais de dez minutos entre John Nada e seu colega Frank (que ele obriga a usar os famosos óculos) ilustra dois princípios hitchcock-hawksianos. O primeiro, hitchcockiano, é que tudo deve ser utilizado para as necessidades de uma cena (como o avião de “Intriga Internacional” que fumiga Cary Grant). O intérprete de Nada, Rodney Piper, é um ex-lutador: e nesta lógica ele deve, a um momento ou outro, brigar. O segundo, herdado das brigas iniciáticas dos filmes de Hawks ou Ford, é menos uma homenagem que uma necessidade: trata-se, para Frank, o negro, de sofrer a dor a fim de melhor ver. Diante da papa em que se tornou o cinema comercial americano, este mal é necessário: já o era para o herói de “Comando Assassino” de Romero, e também o é para aqueles de Carpenter. “Eles Vivem” soube reencontrar esta beleza e este discurso da produção B americana, que se podia dar por desaparecidos: isto é excepcional.

NICOLAS SAADA
(Cahiers du Cinéma nº418, abril de 1989)

Texto contido nas páginas 204-207 do volume 56 da coleção Petite anthologie des Cahiers du cinéma: "Le goût de l'Amérique". Tradução feita por José Roberto Rocha.

15.5.07

Tradução - Lourcelles...

AMARGO PESADELO
(Deliverance)
1971 – EUA (106’) • Dir. JOHN BOORMAN • Rot. James Dickey, do seu romance • Fot. Vilmos Zsigmond (Technicolor) • Mús. Eric Weissberg e Steve Mandel • Elenco John Voight (Ed), Burt Reynolds (Lewis), Ned Beatty (Bobby), Ronny Cox (Drew), James Dickey (xerife), Billy McKinney (montanhês), Herbert Coward (homem desdentado).

Um dos maiores filmes americanos dos anos 70. Como “O Franco-Atirador” (Michael Cimino, 1978), ele oferece esta dualidade muito moderna de ser ao mesmo tempo uma narrativa de ação extremamente intensa e “física”; e uma parábola com encadeamentos filosóficos solidamente construídos, embora semeados com dúvida e ambigüidade. Utilizando de um passeio ecológico que se transforma em um sangrento pesadelo shakespeareano, Boorman apresenta a fascinação pela vida primitiva como uma forma de regressão mental particularmente perigosa e perversa, fadada a conduzir diretamente à tragédia. O homem moderno deve aceitar a civilização, mesmo se suas bases lhe pareçam frequentemente duvidosas; é verdade que a animalidade nele adormecida irá reativar de tempos em tempos uma inclinação à nostalgia, um devaneio de Éden. Mas esta inclinação não possui qualquer chance de ser satisfeita no mundo atual, a não ser como aqui, no horror puro e simples. Os nativos desta região sem poluição e sem progresso técnico vivem os últimos dias de um universo degenerado cuja desaparição seria um absurdo lamentar. Boorman utiliza um ritmo bastante lento, uma trama de artifícios voluntariamente limitados, e uma decupagem ampla pouco afeita aos recursos da montagem para dar o máximo de reverberação concreta e cósmica a cada um dos encadeamentos desta anti-epopéia. Como muitos filmes atuais, “Amargo Pesadelo” se banha numa luz fantástica e inquietante, tão vacilante quanto as certezas dos personagens. Filmagem realizada nas próprias locações onde se passa a ação e na ordem cronológica das seqüências.


. Jacques Lourcelles .

Texto contido nas páginas 378-379 do Dictionnaire du Cinema – Les Films (Aut.: Jacques Lourcelles). Tradução feita por José Roberto Rocha.

8.5.07

Anotações - Bergman...

Entre "Morangos Silvestres" e "Gritos e Sussurros" - filmes lançados em 1957 e 1972, respectivamente - há uma série de mudanças bastante aparentes na obra de Ingmar Bergman: do preto e branco cristalino a um experimental trabalho em cores; das proporções iniciais a que a tela de cinema era limitada a um alargamento que, mesmo não sendo drástico - do 1.37:1 ao 1.66:1 -, traz uma série de implicações na forma como se organizam seus enquadramentos, mais especificamente os característicos close-ups; de um homem como fio condutor de um enredo a outra narrativa que exclui ou simplesmente tipifica - ambas operações levadas adiante com extrema violência - qualquer representação masculina; e ainda, de um drama se não generoso, ao menos repleto de momentos de respiro onde se entrevê um senso de humanidade bastante fugidio - e por isso mesmo tais instantes soam tão preciosos -, a um sufocante filme de terror povoado por monstros onde mesmo a luz é mesquinha diante de toda a escuridão que envolve os personagens.

Impossível não atestar, então, que todas estas vicissitudes apontadas não existem por si só, mas em decorrência de uma mudança de tom baseada em uma dicotomia percebida desde o princípio de sua obra que, mesmo em seus momentos de maior leveza - "Sorrisos de uma noite de verão", por exemplo -, nunca deixa de ser assombrada por um ar de tragicidade iminente. Em seus primeiros filmes, a própria existência deste peso como ponto de tensão das imagens e a maneira como o diretor lidava com ele e o controlava - seja com a desenvoltura cômica do próprio "Sorrisos de uma noite de verão" ou com o esforço dramático um tanto atrapalhado do final de "A Fonte da Donzela" - parecia ser o próprio tema dos filmes em si, ou no mínimo, um de seus aspectos fundamentais. Uma quebra nesta coabitação de registros - ou melhor dizendo, na sua vontade em mantê-la - se esboça durante o início da década 60, através da trilogia composta por "Através de um espelho", "Luz de inverno" e "O silêncio", e vai se concretizar completamente em "Persona", onde a pulsão "negativa" que sempre rondava a obra de Bergman eclode e o filme se assemelha a uma pessoa que depois de muita contemplação finalmente se joga em um abismo. A inacreditável cena em que o próprio negativo se arrebenta e incendeia toma ares bem representativos sob este ponto de vista.

"Morangos Silvestres" e "Gritos e Sussurros" podem não ser exatamente os pontos de partida e de chegada, respectivamente, de todo este percurso descrito, mas se mostram como os exemplares mais representativos de cada um destes momentos, atingindo um tipo de força calcada na sobriedade formal/dramatúrgica que a obra do diretor sueco raras vezes alcança. Daí ser tão revelador notar a maneira com a qual é tratada a memória - e logicamente como ela é construída através de flashbacks - em cada um dos dois filmes. As lembranças, ou mesmo os delírios já que muitas delas sequer são suas, do professor Borg (Victor Sjostrom) em "Morangos Silvestres" causam uma série de efeitos no enredo que, apesar de ser extremamente severo com o personagem - Bergman nunca é condescendente com os seus; ao menos com aqueles que o interessam -, também é modificado por estas cenas de forma a abrigar momentos de alento e beleza ainda possíveis em um mundo que parece a um sopro de se despedaçar. Já em "Gritos e Sussurros", nada de positivo é desencavado dos flashbacks das personagens, funcionando a memória exatamente como a pedra angular do arco de frustrações e sofrimentos que se ergue sobre suas cabeças. Mesmo a pretensamente redentora cena final é filmada com um tom melancólico e cortada tão bruscamente que fica a impressão que, do passado, as únicas coisas possíveis de permanecerem são remorsos e tristezas.

Projeto abortado...

. Paraíba com bola e tudo .

6.5.07

Filmografia - Ingmar Bergman...

. Anos 40 .


1946 - Crise (Kris)
1946 - Chove em nosso amor (Det regnar pa var kärlek)
1947 - Um barco para a Índia (Skepp till India land)
1948 - Música na noite (Musik I moker)
1948 - Porto (Hamnstad)
1949 - Prisão (Fängelse)
1949 - Sede de paixões (Torst)


. Anos 50 .


1950 - Rumo à Alemanha (Till glädje)
1950 - Isto não aconteceria aqui (Sant händer inte här)
1951 - Juventude, divino tesouro (Sommarlek)
1952 - Quando as mulheres esperam (Kvinnors väntan)
1953 - Mônica e o desejo (Sommaren med Monika)



1953 - Noites de circo (Gycklarnas afton)
Ano de lançamento: 2006
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 89 minutos


1954 - Uma lição de amor (En lektion I kärlek)



1955 - Sonhos de mulheres (Kvinnodröm)
Ano de lançamento: 2006
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 84 minutos



1955 - Sorrisos de uma noite de amor (Sommarnattens leende)
Ano de lançamento: 2006
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 108 minutos


1957 - Bakomfilm smultronstället
1957 - Herr Sleeman kommer [TV]



1957 - O sétimo selo (Det sjunde inseglet)
Ano de lançamento: 2003
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 95 minutos



1957 - Morangos silvestres (Smultronstället)
Ano de lançamento: 2003
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 95 minutos


1958 - No limiar da vida (Nära livet)
1958 - Venetianskan [TV]
1958 - Rabies [TV]
1958 - O rosto (Ansiktet)


. Anos 60 .


1960 - Oväder [TV]



1960 - A fonte da donzela (Jungfrukällan)
Ano de lançamento: 2003
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 90 minutos


1960 - O olho do diabo (Djävulens oga)



1961 - Através de um espelho (Sason i en spegel)
Ano de lançamento: 2005
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 89 minutos



1962 - Luz de inverno (Nattvardsgästerna)
Ano de lançamento: 2005
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 80 minutos


1963 - Ett Drömspel [TV]



1963 - O silêncio (Tystnaden)
Ano de lançamento: 2005
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 95 minutos


1964 - Para não falar de todas essas mulheres (För att inte tala om alla dessa kvinnor)
1965 - Don Juan [TV]



1966 - Quando duas mulheres pecam ou Persona (Persona)
Ano de lançamento: 2006
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [MODIFICADO DO ORIGINAL – 1.37:1]
Duração: 84 minutos


1967 - Daniel (segmento de Stimulantia)
1968 - A hora do lobo (Vargtimmen)
1968 - Vergonha (Skammen)
1969 - O rito (Ritten) [TV]
1969 - A paixão de Ana (En passion)


. Anos 70 .


1970 - Farödokument 1969 [TV]
1971 - A hora do amor (Beröringen)



1972 - Gritos e sussurros (Viskningar och rop)
Ano de lançamento: 2003
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Widescreen 1.66:1 [ORIGINAL]
Duração: 106 minutos



1973 - Cenas de um casamento (Scener ur ett äktenskap) [TV]
Ano de lançamento: 2006
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [ORIGINAL]
Duração: 299 minutos


1974 - Misantropen [TV]



1975 - A flauta mágica (Trollflöjten) [TV]
Ano de lançamento: 2006
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Fullscreen 1.33:1 [ORIGINAL]
Duração: 135 minutos


1976 - Face a face (Ansikte mot ansikte)
1977 - O ovo da serpente (The Serpent’s Egg)



1978 - Sonata de outono (Höstsonaten)
Ano de lançamento: 2006
Distribuidora: Versátil
Formato de tela: Widescreen 1.66:1 [ORIGINAL]
Duração: 92 minutos


1979 - Farödokument 1979 [TV]


. Anos 80 .


1980 - Da vida das marionetes (Aus dem Leben der marionetten)



1982 - Fanny e Alexandre (Fanny och Alexander)
Ano de lançamento: 2005
Distribuidora: Europa Filmes
Formato de tela: Widescreen 1.66:1 [ORIGINAL]
Duração: 182 minutos


1983 - Hustruskolan [TV]
1984 - Karins ansikte
1984 - Depois do ensaio (Efter repetitionen) [TV]
1986 - Dokument Fanny och Alexander
1986 - De Tva saliga [TV]


. Anos 90 .


1992 - Markisinnan de Sade [TV]
1993 - Backanterna [TV]
1995 - Sista skriket [TV]
1997 - Larmar och gör sig till [TV]


. Anos 00 .


2000 - Bildmakarna [TV]



2003 - Saraband (Saraband) [TV]
Ano de lançamento: 2006
Distribuidora: Sony Pictures
Formato de tela: Widescreen 1.85:1 [ORIGINAL]
Duração: 111 minutos



P.S.: Longe de postar filmografias com a gratuidade dos COPY-PASTE usuais, pretendo fazer deste expediente uma tentativa de montar um tipo de banco de dados no qual os interessados possam se basear ao entrar em contato com a obra dos diretores em questão. Portanto, o principal objetivo destas filmografias é indicar quais filmes estão disponíveis em DVD no mercado brasileiro, trazendo as características dos discos em si: distribuidoras; anos de lançamento; fotos das capas; formato de tela e duração das versões lançadas. Esta iniciativa pretende ser levada adiante com a ajuda de todos que visitem este blog aos quais peço que, notando algum erro ou omissão, aponte-os na caixa de comentários possibilitando as necessárias retificações. Independente da data de postagem, sempre que houver algum lançamento referente a lista apresentada, este tipo de post será prontamente atualizado.

As edições em DVD aqui listadas são - quando houver mais de uma para o mesmo filme - aquelas que eu acho mais apropriadas para assistí-los, buscando sempre levar em consideração a qualidade da imagem e do som, além da fidelidade ao formato e duração originais. Portanto estão de fora, no caso de Bergman, as edições picaretas da Continental. Por outro lado, quando houver uma só edição do filme disponível no mercado, independente de sua qualidade, ela será listada aqui. O mesmo vale para os casos em que o filme só exista editado em VHS. Portanto, ainda mais importante é a colaboração dos que tenham acesso a informações que me tenham passado em branco, já que eu baseio estas listagens em dados encontrados seja na internet ou em livros, e na minha vivência em vídeo-locadoras que, por mais que tenha sido quase doentia, nunca vai deixar de ser extremamente limitada.

5.5.07

Tradução - Lourcelles...


SORRISOS DE UMA NOITE DE AMOR
(Sommarnattens Leende)
1955 – Suécia (102’) • Dir. INGMAR BERGMAN • Rot. Ingmar Bergman • Fot. Gunnar Fischer • Mús. Erik Nordgren • Elenco Ulla Jacobsson (Anne), Gunnar Björnstrand (Frédérik Egerman), Eva Dahlbeck (Désirée Armfeldt), Björn Bjelvenstam (Henrik Egerman), Margit Carlquist (condessa Charlotte), Jarl Kulle (conde Carl Magnus Malcolm), Harriet Andersson (Petra), Ake Fridell (cocheiro Frid).

Filme que revela Bergman a imprensa internacional durante o Festival de Cannes de 1956. Algumas semanas mais tarde, o filme é lançado em Paris com grande sucesso. Trata-se de um vaudeville ao mesmo tempo sério e irônico, onde os episódios mais dramáticos acabam desembocando em reviravoltas cômicas: por exemplo, o mal-sucedido enforcamento de Henrik que dispara, em sua queda, o mecanismo da cama móvel, vinda do quarto vizinho, sobre a qual dorme sua bem-amada. "Sorrisos de uma noite de amor" trata da guerra dos sexos de maneira a pôr em questão as diferenças psicológicas que separam os homens das mulheres. Ao homem pertencem o egoísmo, o pesar impostado ou despropositado, uma vontade de afirmar, notadamente pela violência, uma dignidade constantemente ameaçada pelo ridículo. À mulher, a leveza, as maquinações conscientes ou inconscientes, a conivência com a vida e finalmente, a sabedoria. Em momentos privilegiados, estas diferenças irreconciliáveis se pulverizam entre os jogos do prazer e do amor. O entrelaçar dos personagens, a qualidade literária e o humor dos diálogos, a condução natural e clássica da narrativa, a variedade de tons e de reviravoltas, o clima de erotismo e de sensualidade unido à poesia do momento e do lugar, atingem aqui uma plenitude que Bergman jamais encontrará novamente. É necessário apreciá-la uma última vez antes que ela seja estragada pelo pathos, o intelectualismo e as pretensões metafísicas do autor. Este filme que fecha o primeiro período da carreira de Bergman, o mais fecundo e rico (dezesseis filmes em dez anos filmados por um diretor de trinta e sete anos), contém também um dos mais belos quartetos de atrizes da história do cinema: Eva Dahlbeck, Ulla Jacobsson, Harriet Andersson, Margit Carlquist.

Nota: Poucos roteiros originais suscitaram da parte da crítica a identificação de tantas referências literárias. Foram claramente citados: Anouilh, Beaumarchais, Feydeau, Kafka, Laclos, Marivaux, Musset, Pirandello,Shakespeare, Strindberg, etc.

. Jacques Lourcelles .

Texto contido nas páginas 1390-1391 do Dictionnaire du Cinema – Les Films (Aut.: Jacques Lourcelles). Tradução feita por José Roberto Rocha.

P.S.: Traduções da crítica francesa e americana, ou mesmo transcrições de textos da crítica brasileira não disponíveis na internet deverão ser uma aqui. Pretendo assim torná-los disponíveis seja para quem não tem o acesso material aos textos, ou para aqueles não familiarizados com a língua em que tenham sido escritos.

4.5.07

Buena Vista Social Club...


BUENA VISTA SOCIAL CLUB
(Buena Vista Social Club)
1999 – Alemanha/EUA/Reino Unido/França/Cuba (105’) • Dir. WIM WENDERS • Rot. Wim Wenders • Fot. Jörg Widmer, Robby Muller • Elenco Luis Barzaga, Joachim Cooder, Ry Cooder, Juan de Marcos González, Julio Alberto Fernández, Ibrahim Ferrer, Carlos González, Rubém González, Salvador Repilado Labrada, Pío Leyva, Manuel "Puntilita" Licea, Orlando "Cachaíto" López, Benito Suárez Magana, Manuel "Guajiro" Mirabal, Eliades Ochoa, Omara Portuondo, Julienne Oviedo Sánchez, Compay Segundo, Barbarito Torres, Alberto "Virgílio" Valdés, Amadito Valdés, Lázaro Villa.

Não se pode negar que seja recompensador acompanhar a jornada musical de um excelente grupo composto por artistas do quilate de Compay Segundo, Ibrahim Ferrer e Rubén González, entre outros. Mais ainda quando se observa que muitos deles se encontravam até então no ostracismo. Também é necessário reconhecer que há belos instantes em que o olhar de Wenders e os dramas ou causos particulares dos personagens compartilham de uma cumplicidade fundada muitas vezes num certo senso de cooperação entre os mesmos. No entanto, será que é mesmo possível acreditar nas mensagens arquitetadas pelo cineasta alemão? No decorrer de “Buena Vista Social Club” elas acabam se revelando nada mais que imposições despropositadas que parecem servir apenas para pintar um retrato de Ry Cooder como algum tipo de restaurador da esquecida música cubana. Uma lógica essencialmente assistencialista e, como tal, sempre esforçada em tentar esconder seus preconceitos conseguindo, entretanto, apenas escancará-los atrapalhadamente em uma série de imagens de um exotismo de cartão-postal.

Nosso Indiana Jones mergulha de cabeça, então, em um território de sonoridade e atmosfera ímpares, disposto a lançar os velhos baluartes da cena musical cubana para o Primeiro Mundo fonográfico, atrelando este esforço a uma idéia bem simplista de abertura política como grande solução, neste caso, para a música popular cubana que, coitada, tem que se contentar em ser nada mais nada menos que... cubana. O que impressiona é que Cooder, pretensamente um grande conhecedor da música local, é filmado como se estivesse ainda tateando diante da riqueza daquele universo. Tudo parece bem urdido com um didatismo bastante complacente, visando claramente a inserção dos espectadores “de fora” sem maiores constrangimentos. Daí a pontualidade das cenas em que a principal preocupação deixa de ser a investigação, ou a já em si problemática tentativa de arqueologia, e passa a ser a apresentação de Cooder como, ele mesmo, alguém para o qual aquele universo é também desconhecido. No fim das contas, as perguntas sobre o paradeiro de alguns músicos ou sobre certas composições deixam de ser meras perguntas e passam a ser exercícios de indulgência dos mais constrangedores.

De início, parece até haver um real esforço em tentar captar o estado das coisas em Cuba, buscando dotar as imagens de uma simbologia que reflita o sentimento de algo emperrado no tempo; até mesmo hermético em suas idiossincrasias. O problema é que tudo isto se dilui diante de constatações generalizantes – “os cubanos são felizes e musicais” – e clichês pavorosos relacionados ao esquecimento dos artistas pela sociedade; à inadequada valorização dos mesmos que, mesmo com a vida de privações que lhes é imposta, ainda conseguem fazer tanto; ou ainda às cansativas reafirmações de superação coletiva, ou de que a idade é um fator pouco determinante diante do talento. A poesia e beleza vislumbrada em alguma cena inicial escapa rapidamente e só será reencontrada nas músicas, ao menos quando elas conseguem transcender as imagens e se tornar algo em si. Uma sorte elas possuírem toda esta força apesar do filme que as carrega.

. José Roberto Rocha e Felipe Medeiros .

P.S.: Textos como este, em parceria com Felipe Medeiros (http://au-au.blogspot.com) devem se tornar mais constantes. Sempre postados tanto aqui quanto em seu blog, eles são resultados de um trabalho conjunto em cujo acabamento final as idéias serão adequadas de acordo com o estilo de cada um. Portanto algumas leves diferenças sempre serão vistas entre os posts daqui e os de lá.

Long live the new flesh...

Tentativa de reiniciar do zero um espaço que sempre foi bastante caro a mim desde sua criação, em 2004. Não queria mudar de endereço e nem que essa nova empreitada soasse como o remendo de algo que já tinha se estilhaçado há bastante tempo, portanto os posts antigos foram inteiramente apagados. Entretanto, gravei aqueles referentes ao cinema - justamente os que importam - e pretendo colocá-los eventualmente no ar, seja em razão de uma revisita aos filmes em questão, ou mesmo para traçar comparações que pareçam pertinentes. No mais, no rodapé dos primeiros posts estarão esclarecimentos sobre uma linha editoral - se é que se pode falar em algo assim dentro de um suporte tão imediato quanto o blog - que pretendo manter aqui, mesmo que ela se encontre imersa entre os posts levianos de sempre.